Indígena guarani reintroduz abelhas nativas ao Jaraguá – 26/08/2024

Quando Márcio Verá Mirim recebe visitantes em sua aldeia para mostrar sua criação de abelhas, a primeira coisa que ele explica é que elas não representam perigo. Apesar de serem abelhas nativas do Brasil, as espécies presentes na região são pouco conhecidas pela população, que geralmente associa esses insetos voadores à Apis mellifera, aquela que produz mel nos apiários e tem um ferrão doloroso, uma espécie trazida pelos colonizadores portugueses no século 19.

Como líder guarani, Márcio, de 40 anos, trouxe de volta para a Terra Indígena Jaraguá, em São Paulo, espécies de abelhas que estavam ausentes na região. Conhecidas como abelhas sem ferrão por terem um ferrão atrofiado, elas são responsáveis pela produção de mel, própolis e cera utilizados em rituais sagrados e na medicina tradicional indígena, além de desempenharem um papel crucial na polinização da mata atlântica remanescente naquela área.

Márcio administra um meliponário com 140 caixas de madeira, que servem para substituir os ocos das árvores, o habitat natural dessas abelhas que estão sob ameaça devido ao desmatamento, mudanças climáticas e agrotóxicos presentes nas plantações. Essas abelhas pertencem a dez espécies, sendo que sete delas estavam localmente extintas até o início do projeto em 2017.

A reintrodução das abelhas nativas faz parte dos esforços dos indígenas guarani na preservação da floresta e das tradições em meio à maior cidade do Brasil. Com uma população fluctuante, que contava com 666 pessoas em 2022, segundo o Censo, eles estão distribuídos em sete aldeias aos pés do Pico do Jaraguá, o ponto mais alto de São Paulo.

Em entrevista à Folha, Márcio compartilhou informações na aldeia Tekoa Yvy Porã, onde também recebe grupos escolares e visitantes interessados no turismo de base comunitária. Ele tem conhecimento detalhado sobre cada uma das espécies, que são conhecidas pelos nomes indígenas recebidos há séculos: uruçu amarela, mandaçaia, mandaguari, manduri amarela, guaraipo, jataí, tubuna, iraí, mirim-droryana e mirim-guaçu.

“Ao manter essa diversidade de espécies, garantimos a biodiversidade de nossa floresta”, destaca Márcio. “Nosso dever é protegê-las e plantar árvores nativas para apoiá-las. O restante do trabalho é deixado por conta delas.”

As abelhas nativas estavam desaparecendo da região dos guarani. Com base nas histórias dos anciões, decidiram criar o projeto de reintrodução para fortalecer o vínculo com essas espécies, essenciais para sua cultura. As abelhas são parte da família guarani, não causam receio por não possuírem ferrão e contribuem positivamente para a natureza.

A cera, o mel e o própolis dessas abelhas são utilizados na medicina tradicional e em rituais sagrados, como no ritual de batismo. Cada guarani recebe um nome espiritual revelado durante este ritual, o qual envolve uma vela feita pelas mulheres com cera produzida pelas abelhas.

O método de reprodução das abelhas mudou, passando de retiradas da mata para a reprodução em caixas. Para Márcio, essa mudança foi positiva, pois além de utilizar os produtos destas abelhas em suas vidas, estão contribuindo para o bem-estar daquelas que permanecem na natureza.

A escolha das espécies a serem reintroduzidas é feita com base nos conhecimentos dos anciões e na capacidade da mata de sustentá-las. É um processo de longo prazo que requer calma e análise para desempenhar o papel de forma adequada.

As abelhas nativas desempenham um papel crucial na polinização da mata atlântica. Cada espécie tem sua função específica, território e vegetação para polinizar. As abelhas menores focam em plantas rasteiras e medicinais, enquanto as maiores, com maior alcance de voo, polinizam as árvores maiores. Aquelas de porte ainda maior são responsáveis pela polinização das árvores mais altas.

Na cultura guarani, a diversidade de espécies criadas por Nhandeeru [Deus] é mantida para as diferentes funções na floresta, sendo responsabilidade do povo originário protegê-las. A preservação destas abelhas contribui diretamente para a biodiversidade da floresta, com os guarani atuando como guardiões.

O reflorestamento sempre foi uma prática ancestral dos guarani. Ao caminhar pela mata, observam e introduzem árvores ausentes, como ipê amarelo, embaúba, cedro, pitanga, uvaia e grumixama, demonstrando um cuidado especial com a natureza.

O Pico do Jaraguá tem um significado sagrado para os guarani. Com a expansão da cidade de São Paulo, novos costumes chegaram, e eles tentam conciliar essas mudanças preservando suas tradições de forma forte. A cultura guarani está presente no dia a dia, nos rituais, artesanato, agricultura e na forma de interação com a mata.

A mata atlântica é considerada o elixir da vida para os guarani. Ao utilizá-la de forma respeitosa e adequada, garantem sua sobrevivência, não apenas sua existência, diferente da maioria nos tempos atuais.

Preocupado com o futuro, Márcio pratica a preservação ambiental e auxilia as abelhas a passarem pelo inverno com tranquilidade. Ele acredita que a ação é fundamental, não apenas a fala, para efetuar mudanças significativas.

Entendem que a preservação ambiental e dos seres sagrados, como as abelhas, beneficiam não apenas os indígenas, mas também toda a região. A cidade pode se beneficiar com ar puro e água potável, demonstrando a importância da interconexão entre todos os seres vivos.

Por fim, destaca-se o apoio da Fundação SOS Mata Atlântica ao movimento “Mata Atlântica: Regenerar e Preservar”.





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